Ernestina Ferreira dos Santos
Nasceu no dia 1º de janeiro de 1879, no Rio de Janeiro; e desencarnou no dia 16 de novembro de 1953, na mesma cidade.
Era filha de Aristides Gonçalves Ferreira e D. Augusta Dias Ferreira
Pequenina perdeu o seu pai, ficando aos cuidados de sua boa e dedicada genitora, que lhe deu esmerada educação. Muito franzina, de saúde delicada, aos cinco anos de idade foi acometida de forte dor na perna esquerda; era o início de porose óssea, que lhe desarticulou o quadril. Depois de uma série de operações dolorosíssimas, teve que amputar a cabeça do fêmur, ficando com uma perna mais curta, valendo-lhe anos de intenso martírio; suas dores eram tamanhas que só se podia penetrar no seu quarto nas pontas dos pés, para evitar-lhe perturbações.
Assim, chegou à juventude nesse martírio constante. Rebelou-se com a religião de seus pais, o catolicismo professado por toda a família. Argumentava então: “Eu sinto eu Deus existe, porém não como O apresentam. Porque eu que nunca fiz mal a ninguém, sofro tanto, enquanto tanta gente perversa tem saúde e vive feliz?” O seu avô, que lhe queria muito bem, ficava horrorizado com esse seu pensamento, dizendo: “Vamos rezar, gente, que nossa Nenê está sendo tentada pelo diabo”.
Sua mãe, professora, viúva, pobre e cheia de filhos, foi transferida para Jacarepaguá. Lá conheceu um casal de fazendeiros, pais de nove filhos, casando-se um deles com sua filha mais velha, daí nascendo um romance de outro filho do casal, com Ernestina, sem esperança de se realizar o enlace em virtude da precariedade de seu estado de saúde.
Ignácio Barbosa dos Santos, dois anos mais velho que Ernestina, apaixonou-se pela sua candura. Era de índole boa e amorosa e passou a ser seu par constante, acompanhando-a sem desanimar, apesar de sua enfermidade e de seu estado de fraqueza. Com 17 anos, tendo sofrido sete operações na perna, andava com dificuldade, com dores atrozes. Mesmo assim, ambos se sentiam cada vez mais apaixonados. Por certo eram espíritos compromissados que se reencontravam.
Devido à sua enfermidade, foi levada a procurar um curador de nome Eduardo Silva, em São Paulo, o qual, embora não sendo espirita, era dotado de faculdades mediúnicas. Nessa época um primo seu presenteou-a com um exemplar de “O Evangelho segundo o Espiritismo”.
No decurso da viagem ela leu o livro e sentiu que um novo horizonte se descortinou a seus olhos. Nessa época, quando Eduardo Silva impôs suas mãos sobre ela, fez com que sentisse grande melhora em seu estado físico; no hotel ela notou que suas vestes estavam molhadas com uma secreção. Com novas aplicações de passes, suas dores desapareceram por completo.
Sentindo-se curada, dois anos depois consentiu no casamento, tornando-se esposa e mãe. O seu esposo tornou-se enfermeiro desvelado, com profundo sentimento de proteção para o seu defeito físico.
Anos depois de casados, a moléstia tornou a manifestar-se. O médico aconselhou uma intervenção cirúrgica, porém, surgiu em seu caminho um cidadão que professava o Espiritismo, o qual lhe sugeriu a aplicação de passes, recomendação que ela recebeu com intensa alegria. Nessa época teve a oportunidade de desenvolver a sua mediunidade, dando passividade a um Espírito de nome Ester que, remontando às vidas pretéritas, revelou-lhe as causas do seu sofrimento. Logo em seguida o médico constatou que ela estava radicalmente curada.
Integrando-se no Espiritismo, ela e seu esposo fundaram no próprio lar o “Grupo Espírita Cultivadores da Verdade”, que funcionou algum tempo sob a direção do Sr. Serrão, um amigo da família, tendo posteriormente assumido a sua direção o famoso médium Inácio Bittencourt.
Foi então criado o “Pão dos Pobres”, uma forma de assistência aos necessitados, tendo Ernestina muitas vezes subido os morros, com a ajuda de um garoto, a fim de praticar a sua tarefa assistencial.
Nessa época o seu esposo sofreu um revés financeiro, tendo que liquidar a sua firma. Ernestina fez um concurso na Escola Normal, diplomando-se professora, passando a ajudar o esposo, até que a vida do casal se normalizasse.
A sua aspiração primacial consistia em fundar uma casa para abrigar crianças desamparadas, porém não via possibilidades para isso, pois as disponibilidades eram diminutas; as pessoas que freqüentavam o Grupo eram bastante modestas e pobres. Teresa de Jesus, que se comunicava por seu intermédio, anunciava que, daquela pequenina associação de Pão aos Necessitados, se desenvolveria grande Casa de Caridade, em futuro muito próximo.
No dia 31 de dezembro de 1918, tudo estava pronto para a distribuição no dia seguinte: os pacotes de gêneros, os cortes de fazenda, roupinhas, brinquedos e até dinheiro em envelope, quando alguém bate à porta, entregando uma lista com a importância de novecentos e trinta mil réis, uma fortuna naquela época. Que fazer com aquele dinheiro todo? Pensou Ernestina, e guardou-o para posterior deliberação. No dia seguinte, 1º de janeiro de 1919, fez-se a distribuição habitual. Era Quarta-feira e, naquela noite, realizou-se a sessão. No final, como de costume veio a comunicação de Teresa de Jesus, dizendo: “O dinheiro que entrou à última hora é a semente para a Casa de Caridade que venho anunciando. Será para as criancinhas mais pobres que encontrardes. Trabalhai, que eu vos ajudarei”.
A alegria foi geral. No mesmo instante, lavrou-se a ata da fundação e os presentes inscreveram-se como sócios fundadores. A primeira diretoria do Abrigo “Teresa de Jesus” ficou assim constituída: Presidente, Ignácio Bittencourt; Vice-Presidente, Raul Salgado Zenha; Diretora, Ernestina F. dos Santos; Vice-Diretor, Manoel Santos; Tesoureiro, Antônio Batista Coelho; Vice-Tesoureiro, Samuel Caldas; Secretário, Octávio Pereira Legey; Vice-Secretário, Alexandre Dyott Fontenelle; e Procurador, João Esberard.
A sua abnegação e o seu espírito de trabalho, junto às crianças e aos necessitados, sua alma caridosa e sua bondade personificada valeram-lhe, em 1951, o Diploma e a Medalha de “Honra ao Mérito”, outorgados pela Rádio Nacional, num programa dirigido pelo Dr. Paulo Roberto, destinado a agraciar aqueles que se sobressaíssem pelos benefícios prestados em causas humanitárias.
Não desejamos santificar ninguém, não é esse o nosso objetivo ao desvendar essas grandes vidas, porém mostrá-las como exemplo de abnegação aos pósteros, dizendo-lhes: que mesmo nesta época, em que imperam a maldade e a corrupção, nem tudo está perdido, grandes almas salientam-se pela doçura de sentimentos e força moral, como verdadeiros discípulos de Cristo.
Sua desencarnação deixou à sua retaguarda um rastro de luz, seguido por um punhado de companheiros que, até hoje, sustentam e haverão de sustentar sempre a Casa de “Teresa de Jesus”, instituição modelar no Estado do Rio de Janeiro.
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