Suicídio e suicida – Julgar ou Comprender ?

“Ninguém que pensa em suicídio ou que pratica atos suicidas que exterminar a existência, mas quer exterminar a dor que solapa a sua alma”.

Mario Paulo V. Rodrigues *

Quando estudamos a biografia e o trabalho de Allan Kardec fica evidente que sua vida foi pautada pela disciplina, pelo estudo e pelo bom-senso, atitude esta que teve destaque no discurso de Camille Flammarion proferido à beira do túmulo do Mestre de Lyon no momento de seu enterro quando afirmou que Kardec foi o bom-senso encarnado.

Esse bom-senso ou o senso do bem parece que anda um pouco esquecido por alguns espíritas. Podemos observar claramente essa situação quando certos expositores que “se acham” donos da verdade abordam temas polêmicos, ou se preferirem delicados, de uma forma fria, colocando ou até mesmo impondo suas opiniões sem a devida fundamentação no estudo, na observação e no respeito.

Entre esses temas tidos como polêmicos podemos destacar; aborto, homossexualismo, transplante de órgãos, suicídio e atualmente as células-tronco. Assuntos sempre atuais que necessitam de uma análise á luz dos estudos científicos, psicológicos e espirituais mais recentes.

Vejamos com mais atenção o suicídio, esta lamentável atitude que cresce cada vez mais nas estatísticas independentemente de crença, raça, idade ou condição social.

Sabemos que uma das funções da Casa Espírita é atuar como um hospital; um pronto-socorro, sempre pronto a socorrer os doentes da alma consolando e amparando a todos sem distinção. Portanto não é necessário fazer uma “consulta espiritual” aos “benfeitores da Casa” para observarmos que entre os freqüentadores de um Centro Espírita poderá haver um parente ou amigo de um suicida. Uma situação que deveria ser constantemente lembrada aos trabalhadores dos Centros alertando-os a sempre tomarem o máximo de cuidado quando são abordados assuntos desta natureza.

Mas o que ás vezes constatamos não é bem isso. Muitos ainda insistem em generalizar as situações, analisando-as de uma forma matemática, linear esquecendo-se do complexo e heterogêneo universo humano e das variáveis que existem por detrás de cada situação. Colocam em um mesmo “pacote” o suicídio e o suicida que é um irmão digno de toda a nossa compreensão e abusam de termos desprovidos de total respeito e caridade como, por exemplo: “Ficará por séculos no Vale dos Suicidas”, “irá sentir o corpo em putrefação”, entre outros. Inimaginável a forma como será potencializado uma já enorme dor de uma mãe, um pai, irmão ou amigo ao ouvirem estes termos decorados e repetidos mecanicamente com total ausência de sentimento e bom-senso.
Essa é a imagem que infelizmente algumas pessoas passam do Espiritismo e do trabalho espírita, se esquecendo do verdadeiro conceito da palavra caridade; benevolência para com todos, indulgência para com as imperfeições alheias, perdão das ofensas. (grifos nossos) (1)

Nas obras básicas vamos encontrar alguns comentários sobre o que pode levar ao suicídio, entre eles podemos destacar os seguintes.

“Com efeito, é certo que a maioria dos casos de loucura se deve à comoção produzida pelas vicissitudes que o homem não tem a coragem de suportar.

O mesmo ocorre com o suicídio. Postos de lado os que se dão em estado de embriaguez e de loucura, aos quais se pode chamar de inconscientes, é incontestável que tem ele sempre por causa um descontentamento, quaisquer que sejam os motivos particulares que se lhe apontem” (2).

E também :

“Todas as grandes preocupações do espírito podem ocasionar a loucura...”

“Entre as causas mais comuns de sobreexcitação cerebral, devem contar-se as decepções, os infortúnios, as afeições contrariadas, que, ao mesmo tempo, são as causas mais freqüentes de suicídio.” (3)

Podemos observar claramente que há algumas exceções e que nem todos os suicidas são “covardes morais” como alguns insistem em afirmar.

Será que na época, devido à falta de um vocabulário mais específico para definir as dores da alma (uma ferida que não sangra, mas que tem um efeito devastador) este estado de loucura ou sobreexcitação cerebral não poderia ser um estado de depressão profunda?

Vejamos o que o psiquiatra e cientista Augusto Jorge Cury comenta sobre essa doença:

“A depressão é uma doença clássica da psiquiatria....A dor da depressão pode ser considerada como o último estágio da dor humana. Ela é mais intensa que a dor da fome, pois uma pessoa faminta tem o apetite preservado, por isso remói até o lixo para comer e sobreviver, enquanto algumas pessoas deprimidas podem, mesmo diante de uma mesa farta, não ter apetite nem o desejo de viver. Freqüentemente só compreende a dimensão da dor da depressão quem já passou por ela.” (4)

Será que os “juízes espíritas” que se comprazem em julgar as atitudes dos outros do alto de suposta autoridade intelectual (profunda no estudo, mas rasa no sentimento) se sentem invulneráveis a toda e qualquer situação?

“Muitos homens ilustres tiveram depressão ao longo de suas vidas. Freud teve crises depressivas...os pensamentos negativos sobre a existência, o peso das perdas e outros fatores culminaram por deixá-lo deprimido numa fase posterior. Hebert Spencer, um grande pensador inglês do século XIX comentou certa vez que não valia a pena viver a vida.” (5)

Esses homens foram frágeis? É difícil julgar sem se colocar no lugar do outro. Todos nós temos as nossas fragilidades e a vida possui perdas imprevisíveis e variáveis muitas vezes difíceis de administrar.

E continua o Dr. Augusto Jorge Cury:
“Ninguém que pensa em suicídio ou que pratica atos suicidas que exterminar a existência, mas quer exterminar a dor que solapa a sua alma”.

À medida que vivemos e principalmente sentimos podemos observar que não há pessoas invulneráveis nos territórios das emoções.

Como espírita não seria inconseqüente a ponto de defender uma atitude tão terrível como é o suicídio.
Como espírita sou e serei sempre a favor da VIDA.

Mas também como espírita acredito na orientação, na compreensão e no respeito por tudo e por todos e não somente no castigo e na punição, como muitos gostam de realçar se esquecendo que Deus é soberanamente justo e bom e que em momento algum desampara seus filhos.(6)

Se por ventura um dia, nós que trabalhamos em Casa Espíritas, formos inquiridos sobre tão complexo tema procuremos nos lembrar de Jesus, nosso guia e modelo (7) quando nos assevera que temos que combater o pecado e não o pecador ou de André Luiz e as inúmeras orientações dos instrutores espirituais passadas a nós através da mediunidade de Chico Xavier, que são de uma sabedoria ímpar e de um amor e respeito profundos. Entre inúmeras delas podemos destacar as que estão contidas no livro “Os Mensageiros” e foram transmitidas respectivamente por Aniceto e Narcisa.

“Não condenemos! Auxiliemos sempre!” (8)
“André, meu amigo, nunca te negues, quanto possível, a auxiliar os que sofrem. Ao pé dos enfermos, não olvides que o melhor remédio é a renovação da esperança; se encontrares os falidos e os derrotados da sorte, fala-lhes do divino ensejo do futuro; se fores procurado, algum dia, pelos espíritos desviados e criminosos, não profiras palavras de maldição. Anima, eleva, educa, desperta, sem ferir os que ainda dormem. Deus opera maravilhas por intermédio do trabalho de boa vontade sincera!” (9).
Acredito que não haja necessidade de comentar tão profundos ensinamentos.

O médium e tribuno Divaldo P. Franco narra o seguinte fato, entre os muitos vividos por ele, em que a essência desses ensinamentos foi colocada na prática:
“Eu nunca me esquecerei que um dia havia lido num jornal acerca de um suicídio terrível, que me impactou: um homem jogou-se sobre a linha férrea, sob os vagões da locomotiva e foi triturado. E o jornal, com todo o estardalhaço, contava a tragédia, dizendo que aquele era um pai de dez filhos, um operário modesto.

Comecei a orar por esse homem desconhecido. Fazia a minha prece, intercedia, dava uma de advogado, e dizia: Meu Jesus, quem se mata (como dizia minha mãe) "não está com o juízo no lugar". Vai ver que ele nem quis se matar; foram as circunstâncias. Orava e pedia, dedicando-lhe mais de cinco minutos (e eu tenho uma fila bem grande), mas esse era especial.”
Até que um dia, este mesmo espírito aparece para Divaldo em um momento em que ele passava por sérias dificuldades e lhe diz:
“Dei-me conta, então, que a morte não me matara e que alguém pedia a Deus por mim. Lembrei-me de Deus, de minha mãe, que já havia morrido. Comecei a refletir que eu não tinha o direito de ter feito aquilo, passei a ouvir alguém dizendo: "Ele não fez por mal. Ele não quis matar-se." Até que um dia esta força foi tão grande que me atraiu; aí eu vi você nesta janela, chamando por mim.

- Eu perguntei - continuou o Espírito - quem é? Quem está pedindo a Deus por mim, com tanto carinho, com tanta misericórdia? Mamãe surgiu e esclareceu-me:

- É uma alma que ora pelos desgraçados.

- Comovi-me, chorei muito e a partir daí passei a vir aqui, sempre que você me chamava pelo nome.”

E se dá o comovente desfecho:

“Aproximou-se, me deu um abraço, encostou a cabeça no meu ombro e chorou demoradamente. Doridamente, ele chorou.
Igualmente emocionado, falei-lhe:

- Perdoe-me, mas eu não esperava comovê-lo.

- São lágrimas de felicidade. Pela primeira vez, eu sou feliz, porque agora eu me posso reabilitar. Estou aprendendo a consolar alguém. E a primeira pessoa a quem eu consolo é você.” (10)

Divaldo não julgou, não se preocupou em saber quais os motivos que levaram aquela pessoa a cometer tal atitude. Ele compreendeu, agiu e fez o que estava a seu alcance naquele momento.

Aos que optaram pelo caminho sem volta do suicídio procuremos sempre vibrar muita luz através da prece restauradora para que seus caminhos e seu despertar se tornem os menos dolorosos possíveis. Aos que estão nutrindo em seu íntimo o desejo de atentar contra a própria vida na busca de uma ilusória libertação, peço que se lembrem mais uma vez de Jesus quando afirmou;
“Tende bom ânimo, eu venci o mundo” (11)

Somente através do bom ânimo, da confiança, da fé em dias melhores é que poderemos vencer o ”mundo” do medo e do desânimo. “A calma e a resignação hauridas da maneira de considerar a vida terrestre e da confiança no futuro dão ao espírito uma serenidade que é o melhor preservativo contra a loucura e o suicídio. Ora, se encarando as coisas deste mundo da maneira por que o Espiritismo faz que ele as considere, o homem recebe com indiferença, mesmo com alegria, os reveses e as decepções que o houveram desesperado noutras circunstâncias, evidente se torna que essa força, que o coloca acima dos acontecimentos, lhe preserva de abalos a razão, os quais, se não fora isso, a conturbariam”. (12)

Mesmo diante das dificuldades que nos apresentam nunca desistamos de viver, do maravilhoso espetáculo da vida. Tenhamos sempre a firme convicção de que nos momentos mais difíceis da nossa existência podemos escrever os mais belos capítulos da nossa história.

E para concluir gostaria de citar mais uma vez Kardec com o seguinte trecho:

“Qual é, pois o laço que deve existir entre os Espíritas? Eles não estão unidos entre si por nenhum contrato material, por nenhuma pratica obrigatória. Qual o sentimento no qual se devem confundir todos os pensamentos? É um sentimento todo moral, todo espiritual, todo humanitário: o da caridade para todos, ou, por outras palavras: o amor do próximo, que compreende os vivos e os mortos, desde que sabemos que os mortos sempre fazem parte da humanidade.

A caridade é a alma do Espiritismo: ela resume todos os deveres do homem para consigo mesmo e para com os seus semelhantes; eis porque se pode dizer que não há verdadeiro Espírita sem caridade.” (13)

Citações que representam o que realmente é a Doutrina Espírita.

Uma Doutrina que orienta, educa, esclarece, consola e que principalmente nos ensina como amar, sentimento sem o qual seria impossível exercer as atitudes previamente citadas.

Bibliografia:

(1) O Livro dos Espíritos - Questão nº 886;
(2) O Evangelho Segundo o Espiritismo – Cap. 5, itens 14 e 15;
(3) Análise da Inteligência de Cristo - O Mestre da Sensibilidade - Augusto Jorge Cury - Academia da Inteligência;
(4) Análise da Inteligência de Cristo - O Mestre da Sensibilidade - Augusto Jorge Cury - Academia da Inteligência;
(5) Análise da Inteligência de Cristo - O Mestre Inesquecível - Augusto Jorge Cury - Academia da Inteligência;
(6) Livro dos Espíritos - Questão nº 13
(7) O Livro dos Espíritos - Questão 625;
(8) Os Mensageiros – Espírito André Luiz pela psicografia de Francisco C. Xavier - Cap. 42
(9) Os Mensageiros – Espírito André Luiz pela psicografia de Francisco C. Xavier - Cap. 44
(10) O Semeador de Estrelas – Suely Caldas Schubert – Cap. 9;
(11) João, 16:33
(12) O Evangelho Segundo o Espiritismo – Cap. 5, item 14
(13) Discurso de abertura da sessão anual comemorativa do dia dos mortos na Sociedade de Paris, realizada em 1.o de Novembro de 1868 – Allan Kardec

*Mario Paulo Ventura Rodrigues é estudante da Doutrina Espírita, tendo freqüentado diversas casas espíritas na cidade de São Paulo. É colaborador do site www.espiritismoemdebate.com.br

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