Um cisco sobre a vida de Chico, o cisco de Deus 

Cristina Helena Sarraf
    

Ajoelhado, como bom católico, junto a sua cama, o jovem Chico de 17 anos, faz suas preces antes de dormir. O quarto é bem simples e pobre, mas uma imagem esculpida de Nossa Senhora do Pilar, mostra a devoção do rapaz. Ele pede, fervorosamente que sua irmã, Maria Xavier, seja curada dos transtornos emocionais e psicológicos que vem apresentando. É bem verdade que não tendo recursos financeiros para interná-la, e apesar da contrariedade do pai, católico “roxo”, a última alternativa foi levá-la a uma reunião espírita. Chegaram com medo, mas ela vem apresentando sinais de melhora. Por isso, a esperança foi ficando acima dos preconceitos.

Nas preces, ele também pede por sua família. Tem 14 irmãos, a maioria crianças pequenas, que vivem dos parcos recursos que a venda de bilhetes aufere ao chefe da família, João Xavier, sempre auxiliado pelo pequeno salário que Chico recebe, desde tenra idade. A mãe de Chico morreu quando ele tinha cinco anos. Naquela dolorosa ocasião, perdido em sua dor, ele vira a mãe, no quintal da casa, onde estava chorando. Sentiu seu carinho e ouviu sua voz: - Estou aqui, filho. Jamais abandonarei você. Mas seja obediente e tenha paciência! Sempre ressoaram, em seus ouvidos, aquelas palavras e serviram de orientação em cada situação difícil.

Agora, com a irmã doente, que falta lhe faz a presença física da mãezinha... As dificuldades materiais que passam, não são nada perto da possibilidade dela não se curar. - Não! Não vou pensar assim. Tenho confiança no Pai Divino e esses amigos da reunião têm se mostrado dignos, dedicados e amam Jesus. Dizem que ela está só sob uma ação maldosa, mas que isso poderá ser resolvido, com paciência. Paciência! Paciência! Eles me pedem o mesmo que minha mãe. Paciência!!!

Imerso em suas preces, Chico não percebeu que uma luz prateada ia se fazendo ao seu lado. E tão intensa se fez, que sensibilizou seus olhos fechados. Ao abri-los, ele paralisou de espanto: uma majestosa e desconhecida mulher, emergindo dessa luz, estava ali a olhá-lo. Embasbacado, quer se levantar, mas não consegue. Essa noite é 10 de julho de 1927.

Dois dias antes, 08 de julho, ele tivera sua primeira experiência de psicografia. Foi naquele grupo em que comparecia acompanhando a irmã. Pela médium Carmem Perácio alguém lhe entregara papel e lápis. Logo, como se o braço não fosse seu, começou a escrever, tão rápida e surpreendentemente que num instante 17 folhas estavam preenchidas com comentários do evangelho. Claro que no dia seguinte ele foi até a Igreja, conversar com seu amigo e confessor, padre Scarzelli.  Não porque imaginasse ter feito algo errado mas, por ser sincero em sua devoção, queria ser orientado sobre tão estranho acontecimento. O padre acalmou Chico, dizendo que se as palavras eram de paz e de confiança em Deus, se era um grupo dedicado a Jesus, ele que se tranqüilizasse. Mas, por sua devoção a Nossa Senhora, não custava aconselhar-se com ela!

Só no futuro Chico saberia o papel desse anjo inesperado em sua vida, que poderia ter mudado de rumo, fossem outros os conselhos...

Aquela luz intensa ofuscava seus olhos, mas Chico não conseguia tirá-los da esplendorosa mulher. Ainda ajoelhado, ouve-a dizer em castelhano, que sem saber como, ele compreende com clareza: - Francisco, venho solicitar, em nome de Nosso Senhor Jesus Cristo, o seu auxílio para nossos irmãos mais pobres.

Mesmo inebriado por aquela situação, parece-lhe sem cabimento esse pedido, dada sua condição de pobreza e dificuldades materiais. Ele controla a emoção e pergunta quem ela é. A resposta deixa-o mais perplexo ainda: - Agora você não está se lembrando de mim. Sou a Isabel de Aragão. Chico estranha muito o que ouve, pois não conhecia ninguém com esse nome.  Por educação não comenta, mas diz que é pobre e não sabe o que possa dar aos mais pobres do que ele.

- Você me ajudará repartindo pães com os famintos, insiste com doçura e firmeza aquela que se nomeia Isabel. De novo surpreso pelo que lhe parece sem cabimento, Chico responde que quase sempre lhe falta pão. Sendo assim, como poderá repartir o que não tem?  A mulher-aparição mostra entender suas razões, através de um doce sorriso. E procura acalmá-lo, dizendo que ele irá dispor de recursos, porque escreverá para “nossas gentes peninsulares”, num trabalho para Jesus, do qual não poderá obter nenhuma vantagem material. Assim os mensageiros do Bem estarão ajudando-o nessa tarefa caritativa. E que ele confie na bondade do Senhor.
E sumiu. O quarto fica de novo escuro. Sem conseguir conciliar o sono, Chico chora de emoção, a noite toda. E nem sabe bem porque...

Cedo, no dia seguinte, não podendo esquecer as palavras que ouvira, precisa saber o que são “gentes peninsulares” e quem é Isabel de Aragão. Mas naquela pequena Pedro Leopoldo mineira, ninguém sabia responder suas perguntas, o que deixou Chico descontente.

Sendo assim, ele buscou na oração a solução para suas dúvidas. E por duas semanas orou a Nossa Senhora, pedindo as explicações que necessitava, enquanto sua vida prosseguia, trabalhando num armazém e ajudando em casa, porque com a morte da madrasta, todas aquelas crianças precisavam muito da sua presença e carinho.

Numa noite, orando antes de dormir, ele vê um senhor vestido de branco, que lhe parece ser um sacerdote. Essa nova surpresa assusta-o porque não estava, ainda, acostumado a ver Espíritos. Ouve então: - Sou Fernão Mendes. Fui um dos confessores da rainha santa, dona Isabel de Aragão, esposa do rei Dom Dinis. Isso foi no século XIV. Desde aquela época ela se ocupa com grandes obras de benemerência e instrução, aos povos que formam a península Ibérica. Hoje ela protege todas as obras de caridade e educação nesses dois países. Foi ela que o visitou dias atrás. A pedido dela, estou renovando o compromisso firmado de assisti-lo e providenciar recursos para a distribuição de pães aos pobres. Confiemos em Jesus e trabalhemos semeando o Bem.

No sábado seguinte, acompanhado da irmã Luiza, Chico carrega um pequeno cesto com oito pães, que parte em pedaços, para entregar aos indigentes que se refugiavam numa velha ponte de Pedro Leopoldo. E desde então, ele e seus amigos nunca mais pararam de ajudar os famintos, cada vez com maiores recursos, vindos de algum lugar!

 Nota:

Isabel nasceu em Aragão, em 1271 e casou-se com o rei de Portugal, Dom Dinis, tornando-se rainha e mãe do futuro rei, D.Afonso IV. Notabilizou-se pela bondade e dedicação a minimizar as dores e necessidades dos pobres, sendo muito combatida nessa conduta, pelo esposo. Sua intervenção benéfica evitou duas guerras familiares. Foi beatificada e depois canonizada em 1625, pelo papa Urbano VIII, e é reverenciada em 04 de julho, dia da sua morte, que ocorreu em 1336.

Conta uma história-lenda que D. Diniz, não gostava das incursões da rainha, levando pão e moedas para as populações necessitadas. Certa vez foi espreitá-la para surpreendê-la em desobediência... Viu quando ela se dirigia à dispensa do palácio e enchia o avental de alimentos. Ele se postou então à sua espera. - Onde vai Senhora? O que leva aí em seu avental? Interpelou o rei quando Isabel saía apressadamente. - São flores, Senhor! - Quero vê-las! Flores em Janeiro? (época de inverno em Portugal). Quando D. Isabel de Aragão mostrou o avental, dele caíram rosas de diferentes cores... Consta que o rei nunca mais tentou impedir a rainha de praticar a caridade. 

Núcleo Espírita de Iniciativas Doutrinárias
Fone (011)2092-8137– Cristina Helena Sarraf
     
e-mail:[email protected]

Direitos Solidários - Permitida a reprodução desde que citada a fonte - Espiritismo em Debate®

<<< Voltar para a página artigos